SOPHIA, CARLOS QUEIROS E NUNO JUDICE
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordante
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
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Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
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A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN(1919-2004)
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DESAPARECIDO
Sempre que leio nos jornais:
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.
Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
- Livre o instinto, em vez de coagido.
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Eu, o feliz desaparecido!
CARLOS QUEIROS (1907-1949)
Desaparecido e Outros Poemas
Lisboa, Livraria Bertrand, 1950
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PRINCIPIOS
Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.
Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.
Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.
NUNO JÚDICE (n.1949)
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PEDRO, LEMBRANDO INES
Em quem pensar,agora,senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer:"Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem,sermos o que sempre fomos,mudarmos
apenas dentro de nós próprios?"Mas ensinaste-me
a sermos dois;e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide.Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo,ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios,mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo,para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba.Como gosto,meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar:com
a surpresa dos teus cabelos,e o teu rosto de água
fresca que eu bebo,com esta sede que não passa.Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti,como
gostas de mim,até ao fundo do mundo que me deste.
NUNO JÚDICE(n.1949)
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