O POEMÁRIO DE MARIANA

A poesia é a expressão verbal correspondente a uma percepção de vida subtil e pluridimensional.Instrumento expansivo de consciência, a poesia corresponde ao sentir, expresso no verbo sem as amarras da mente racional. Relembra algo que nos falta e que frequentemente não sabemos apontar e repõe a complexa beleza da manifestação...
MARIANA INVERNO

Tuesday, March 08, 2005

POETISAS DO NOSSO TEMPO

No Dia Internacional da Mulher, que é para mim todos os dias, aqui deixo a palavra poética de Mulheres do Nosso Tempo...


É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.

SOPHIA DE MELLO BREYNER




A DOCE CANÇÃO

Pus-me a cantar minha pena
com uma palavra tão doce,
de maneira tão serena,
que até Deus pensou que fosse
felicidade - e não pena.

Anjos de lira dourada
debruçaram-se da altura.
Não houve, no chão criatura
de que eu não fosse invejada,
pela minha vez tão pura.

Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem os defuntos.
Um arco-íris de alegria
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto
Deus não soube, tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
- Todos perdidos de encanto só eu morrendo de triste!

Por isso tão docemente
meu mal transformar em verso,
oxalá Deus não aumente,
para trazer o Universo de
pólo a pólo contente!

CECÍLIA MEIRELLES



ULTIMO BRINDE

Bebo ao lar em pedaços,
À minha vida feroz,
À solidão dos abraços
E a ti, num brinde, ergo a voz...

Ao lábio que me traiu,
Aos mortos que nada vêem,
Ao mundo, estúpido e vil,
A Deus, por não salvar ninguém.



Tradução de Rubens Figueiredo

ANNA AKHMATOVA



ANINHA E SUAS PEDRAS

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos
poemas.
Recria tua vida, sempre,
sempre.
Remove pedras e planta
roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos
jovens
e na memória das
gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de
todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

CORA CORALINA



EU

Sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada, a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte;
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê.....
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

FLORBELA ESPANCA



Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

HILDA HILST




POESIA

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos


Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor


Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.


Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.


Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,


Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

SOPHIA DE MELLO BREYNER

1 Comments:

Blogger Dois Rios said...

O eternizar-se no amor é sempre um ato solitário.

Bjs,

1:49 PM  

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