Ivo Machado
os malmequeres
disseste: hoje rasguei os papéis
que escreveste
depois
como se faz às folhas
de Outono
deixaste-as arder no esquecimento.
agora
entendo os malmequeres.
azul
às vezes
apenas uma gota de água
sobre as rosas faz o perfume.
não perguntes porquê
pois as rosas não hão-de responder-te.
observa. depois
respira o aroma do azul.
os girassóis
os girassóis
ao longe parecem o mar
mas como podem parecer
mar
se não vejo espuma
nem sinto os silêncios
das velas no horizonte?
música
não escutamos as mãos
mas sabemos serem elas.
sabemos
quantos rios insinuam
quantos silêncios sabem invocar
porque a música
é apenas o riso das mãos.
se o não escutares
é porque os lírios dormem
de cansaço.
hoje, é triste a alameda
hoje, é triste a alameda onde em criança tive uma visão,
está deserta, com isto dizendo
fico sem saber quem mais entristeceu: a alameda ou eu?
a capela em ruínas; o muro de juncos, também;
e descubro num plátano isolado
vestígios do nome que gravei no desespero de minha mãe;
está deserta a alameda onde em criança o sonho deixei,
que canteiro o preserva, que nome lhe dei?
é a mesma alameda deserta e triste,
eu é que mudei, roubado o ímpeto de marcar árvores,
o demorado hábito em ler as placas de cobre
com versos meio apagados de poetas mortos.
hoje, o céu não é o lápis-lazúli de Nobre,
nem violinos ao gosto de Verlaine;
é véu de viúva o céu,
e até o relógio de sol parece em luto,
chorando o pranto da estátua decepada
onde em menino vi meu rosto: velha a pele, acobreada.
porque regressei à alameda? antes
os laranjais onde mora a luz sem o desassossego
de ver se algum dos plátanos morreu.
hoje, quem será mais triste: a alameda ou eu?
IVO MACHADO, Poeta açoriano (n.1958)
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