MARIA HELENA VARELA
Soube da sua morte, antes de a encontrar em vida. Antes que a profundidade e pureza poética dos seus versos me tivesse sido revelada.
Deixou-nos ontem, no Brasil do seu destino.
Connosco ainda e para sempre, a sua memória, na palavra indestrutível...
SOLILÓQUIOS
Eu não curto o amor porque mal vivo,
Ignorada nas páginas da escrita.
Mas quem disser que eu não amo
E que o meu corpo não sente,
Com certeza mente,
Porque eu amo o Amor.
O amor e a pele miscigenados
Num passivo atico aquém do ter,
O pathos e o dom amalgamados
Num devir sem asas de Mulher.
BRASIL
Se eu carregasse as vidas da mulata,
Venerando seus deuses e orixás,
Se a hybris de seu corpo mais inata
Tomasse a minha alma em seus afãs.
Se as privadas batalhas que sustento,
Nos íntimos amargos do meu eu,
Fossem gozos que fazem seu contento
E lhe outorgam na terra um outro céu.
Ah! Se eu fosse a mulata não seria
Esta ânsia, este errar, esta euforia
Virgenmente parada, virtual!...
Esqueceria os átomos e os astros,
Içava minhas velas e meus mastros
E tornava-me toda um carnaval.
PATRILÍNGUA
Não trouxe dos pinhais
Nem das cidades,
Um punhado de terra,
Um chão, um leito,
Apenas a palavra
Em que me aceito,
Firmo sem fundar.
Casa, concha, casca,
Língua de água,
Minha pátria dizível,
Mar sem mágoa,
Limite e limiar,
Que o meu coração me pensa
E a mátria é tudo,
Fratrias descobri
Neste lugar.
Não carrego sibilas
Nem profetas,
Que apenas os poetas,
Filósofos ou não,
Sempre o serão.
VERDADE
Um campo vasto – a verdadeira Verdade,
Absoluta, protoconsensual,
Vago e minado campo,
Infundado e abissal.
E eu inconsolável
No inferno do fragmento,
Mônada com janelas,
Procurando as estrelas
E dormindo sem elas.
Céptica, não cínica,
Quem sabe há fragmentos
Totalizantes?
Quem sabe,
Em pleno inferno,
Há mais do que ruínas?
MARIA HELENA VARELA (1952 - 2004)
1 Comments:
Também gostaria de saber!
wlspena@gmail.com
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