ANA MARQUES GASTÃO
Escreve, se puderes, pois meu corpo oscila, veloz, no círculo
do vento
escreve antes que o sol sangre de mim.
Escreve, se puderes, hoje ainda, assim o grão do teu corpo
o permita
escreve antes que a nostalgia desça sobre nós.
Escreve, se puderes, contra a morte, até se perderem tuas
ávidas mãos
escreve antes que em meu colo caiam mutiladas.
Sombra sou
num jardim perdido.
Memória
inumana.
Onde estás?
A tristeza
é uma árvore
disforme.
Em que céus
ou águas
e acolhe
teu futuro?
Dor suprema
a das coisas que ignoro.
Terra sem mãe.
Não há lugar para mim
neste país de Inverno.
As mães cegaram em seus ventres
e cada homem abandona
a juventude na cidade ácida.
Tinhamos o movimento da Terra
e eu compreendia as coisas
como se absorve a luz com os olhos.
Existiam as tuas mãos.
Quando pela noite chegas dissolvem-se as trevas
e eu partir não quero, porque esta é a noite
que ilumina o dia, canto do silêncio, eco subtil
no discuso do mundo. Quando pela noite chegas
é meu o teu amor, e a morte tarda doce como mel.
Se queres ouvir
a mãe
em tua memória
arcaica
deixa as palavras verem.
Aceita o colo
vivo
a álgida solidão
e ultrapassa o poema.
ANA MARQUES GASTÃO(n. 1962)
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