FERNANDO PESSOA
Santa-Rita Pintor
POESIAS INEDITAS
Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.
Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!
Sou o Espírito da treva,
A Noite me traz e leva;
Moro à beira irreal da Vida,
Sua onda indefinida
Refresca-me a alma de espuma...
Pra além do mar há a bruma...
E pra aquém? há Cousa ou Fim?
Nunca olhei para trás de mim...
Cai amplo o frio e eu durmo na tardança
De adormecer.
Sou, sem lar, nem conforto, nem esperança,
Nem desejo de os ter.
E um choro por meu ser me inunda
A imaginação.
Saudade vaga, anônima, profunda,
Náusea da indecisão.
Frio do Inverno duro, não te tira
Agasalho ou amor.
Dentro em meus ossos teu tremor delira.
Cessa, seja eu quem for!
Todas as cousas que há neste mundo
Têm uma história,
Excepto estas rãs que coaxam no fundo
Da minha memória.
Qualquer lugar neste mundo tem
Um onde estar,
Salvo este charco de onde me vem
Esse coaxar.
Ergue-se em mim uma lua falsa
Sobre juncais,
E o charco emerge, que o luar realça
Menos e mais.
Onde, em que vida, de que maneira
Fui o que lembro
Por este coaxar das rãs na esteira
Do que deslembro?
Nada. Um silêncio entre jucos dorme.
Coaxam ao fim
De uma alma antiga que tenho enorme
As rãs sem mim.
FERNANDO PESSOA (1888-1935)
3 Comments:
Gostei de conhecer este blog, voltarei.
hfm
Bem haja pela sua visita. Como e' importante o "feedback" dos outros...
Volte sempre!
Mariana Inverno
gostei :)e gosto
parabens
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