ANTERO, Eugenio de Andrade, FEDERICO e Mariana Inverno
Primeiros conselhos do outono
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da natureza:
- «Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,
Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel deveza,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!
Mais valera à tua alma visionária,
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,
(Sem ver uma só flor das mil, que amaste,)
Com ódio e raiva e dor - que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» -
Antero de Quental
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Beber-te! como bebo o ar da vida...
E como bebo a luz do sol doirado...
E a poesia do templo consagrado...
E o consolo no olhar da mãe querida...
Como bebo nos livros do saber
A palavra dos Deuses, e o segredo
Da existência nas folhas do arvoredo...
E em longas noites de cruel sofrer...
Como bebe no cálix o Deus-vivo
Quem o não sente andar dentro de si...
Como eu nesses teus olhos já bebi
A água que hei-de beber enquanto vivo!
ANTERO DE QUENTAL(1842-1891)
Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-me comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.
EUGENIO DE ANDRADE (n.1923)
ABANDONO
¡Dios mío, he venido con
la semilla de las preguntas!
Las sembré y no florecieron.
(Un grillo canta
bajo la luna.)
¡Dios mío, he llegado con
las corolas de las repuestas,
pero el viento no las deshoja!
(Gira la naranja
irisada de la tierra.)
¡Dios mío, Lázaro soy!
Llena de aurora, mi tumba
da a mi carro negros potros.
(Por el monte lírico
se pone la luna.)
¡Dios mío, me sentaré
sin pregunta y con respuesta!
a ver moverse las ramas.
(Gira la naranja
irisada de la tierra.)
Federico García Lorca (1898 - 1936)
FIO DE PRATA
Fico um instante
presa do silêncio e da agonia
Sei que me sou
para além das minhas dores
E
no entanto
como segurar o fio de prata
bem alto
lá onde o encanto não esmorece
Mariana Inverno (n.1950)
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Manhã no Real Jardim Botânico
Jardim depois das águas
um estremecer de aromas
(solidão caminhante)
fetos azáleas mariposa evadida
de um qualquer sonho
repouso no carvalho robusto
testemunha antiga
da passagem dos ciclos
acesos inebriantes
os lírios magníficos - a cor!
pássaros dulcificam o ar
ainda húmido
(solidão atordoada)
por onde em mim
corre o fio
que me levará
a mim?
ausculto as folhas o silêncio
as fragrantes lufadas
de uns ares poéticos sem mácula
a pedra dos bancos das estátuas
saturada pelo tempo abundante
e seus registos
(solidão reconfortada)
entrevejo passagens
assinaladas pontes de som e luz
concertadas no tempo
no espaço e no resto
alquimia algum mistério
onde busco o respirar
dos dias
por vir
(solidão reconfirmada)
Mariana Inverno (n.1950)
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