CAMILO PESSANHA
INTERROGAÇÃO
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei nun lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde esempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talves de te saber doente.
CREPUSCULAR
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Ou teus olhos tão meigos de tristeza...
- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
CANÇÃO DA PARTIDA
Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
Lançá-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai degredado,
as penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançai-o ao mar.
E heide mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
- A última, de antes do teu noivado.
A sete chaves - a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,
Que é para molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.
VIOLONCELO
Chrai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros...
Soidões lacustres...
-Lemos e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
-Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.
CAMILO PESSANHA (1867-1926)
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