FERNANDO PINTO DO AMARAL
Á CHEGADA DO INVERNO
Nem sempre
a vida acolhe ou alimenta
os nomes do passado, o seu abismo
repetido num sonho, na mais lenta
assombração, no mais íntimo sismo
Do que chamamos alma. Não existo
sem essa febre mansa que relembro
enquanto as nuvens cobrem tudo isto
com o frio escuro de um dezembro
Longe de mim, de ti, de qualquer lei
ou juízo a que dêmos um sentido:
o que finjo saber é o que não sei
e as palavras colam-se ao ouvido.
ARTE POÉTICA
Palavras,
só palavras, nada mais
que a vã matéria, o seu sentido
eco de muitos ecos, repetido
reflexo de poderes tão irreais
como essas emoções graças às quais
terei de vez em quando pretendido
dizer um só segredo a um só ouvido
ciente de que nunca são iguais
os segredos e ouvidos que procuro
às cegas neste mar sempre obscuro
onde a voz desagua como um rio
sem nascente nem foz - apenas uma
incerta confidencia que se esfuma
e só foi minha enquanto me fugiu.
SEGREDO
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
FERNANDO PINTO DO AMARAL (n. 1960)
1 Comments:
Continua a ser bom passar por aqui.
hfm
http://linhadecabotagem.blogspot.com
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