O POEMÁRIO DE MARIANA

A poesia é a expressão verbal correspondente a uma percepção de vida subtil e pluridimensional.Instrumento expansivo de consciência, a poesia corresponde ao sentir, expresso no verbo sem as amarras da mente racional. Relembra algo que nos falta e que frequentemente não sabemos apontar e repõe a complexa beleza da manifestação...
MARIANA INVERNO

Monday, April 11, 2005

MARIA ÂNGELA ALVIM

Meus olhos são telas d´água
não ferem a perfeição.




Maria Ângela Alvim nasceu no dia 1 de Janeiro de 1926 na fazenda do Pouso Alegre, município de Volta Grande, no Estado de Minas Gerais. É a mais velha de cinco irmãos, todos poetas. Leitora assídua de Simone Weil e de Santa Teresa de Ávila, pensa durante algum tempo seguir a vida religiosa. No início dos anos cinquenta, faz diversas viagens profissionais pelo interior do país, e depois à Argentina e à Europa. É durante uma dessas estadas que, sob o signo de Rilke, se liga a Lou-Albert Lasard. Maria Ângela Alvim falava admiravelmente dos poetas, com um fervor que só a sua penetrante lucidez podia igualar. Em breve, uma doença nervosa iria fazer desvanecer todos esses dons. No dia 19 de Outubro de 1959, Maria Ângela Alvim pôs fim aos seus dias. À excepção do livro Superfície (1950), os poemas de Alvim só serão publicados depois da sua morte.



Há uma rosa caída
Morta
Há uma rosa caída
Bela
Há uma rosa caída
Rosa

X

No delírio da tarde
eu vi meu rosto.
Na taça emborcada do dia sorvido
eu vi meu rosto.
O esgotal se partiu,
esgotei meus olhos na noite



ESTOU E NÃO ME RESPONDO

Estou e não me respondo.
Assisto. Em mim se decide
um inútil afã e se some
a vida que me preside.

E passo, ainda... Meu nome
há muito não coincide
comigo se estar se consome
e tantas vezes me elide.

Me move o tempo mais frio
de tanto pranto afogado
num quase mito de mim.

Vou morando em desvario
quase em sonho inaugurado
para um começo, meu fim.



INTEIRA ME DEIXO AQUI

Inteira me deixo aqui,
inteira, posto que ausente,
- neste corpo que nasci
fez-me a vida ou minha mente?

De ninguém sobrevivi.
Ah! vida, me fiz consciente,
mestiça de mim, de ti ,
em morte - quase semente.

E em terra desejo estar
e sempre, enquanto me alerto
nas vozes de vento e mar.

Sem jamais me resolver
a conter-me num deserto
ou saciar-me de morrer.



V

Moro em mim? No meu destino, largado
partido em mil?
Moro aqui? Demoraria
sempre aqui, sem me saber - fugindo sempre
estaria?
Eis um lugar. Degredo
(de quê?). Dimensão se perseguindo
num sonho? - Sim, que me acordo.
Tudo existe circunstante
e ninguém para me crer.
Sou eu o sonho,
momento da ausência alheia (que devasso quase fria).
Morte, vida recente,
subindo em mim a resina,
ungüento de noite, amor.

As sombras e seus véus,
tantos véus - o mais sucinto
preso a meu corpo (aparente?)
me divide em dois recintos.
Um deles sendo equilíbrio
noutro posso me conter.
Avanço no sono aberto
até a altura do dia,
fria, fria,
mais fria, minha pele
filtra a aurora - neste tempo
aquela hora, seu pulso de instante e ocaso.

Eis que me encontro. Limite
de transparência e contato
entre a luz e meu retrato, na casta
parede - a louca?
Marulho d'água, caindo
dentro de mim, claridade.
Graça de mãos mais presentes,
que minhas mãos, já vazias
de sua forma, na palma.
Que gesto extenso as reteve
sempre além, configuradas?

E este azul, quase em branco
se desfazendo (na carne?).
Ah! Três retinas cortadas
de um prisma, se amanhecidas
nestes vidros, na vigília.
Ah! Três retinas pousadas
em ver, em ver contemplando
(ser, será o esquecimento
de quanto somos - pensando?.



MARIA ÂNGELA ALVIM (1926-1959)

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