O POEMÁRIO DE MARIANA

A poesia é a expressão verbal correspondente a uma percepção de vida subtil e pluridimensional.Instrumento expansivo de consciência, a poesia corresponde ao sentir, expresso no verbo sem as amarras da mente racional. Relembra algo que nos falta e que frequentemente não sabemos apontar e repõe a complexa beleza da manifestação...
MARIANA INVERNO

Thursday, September 30, 2004

FERNANDO PESSOA



A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito de erro da filosofia.

A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.

Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do universo por nós.
Tendo por conseqüência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.

Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.

A química direta da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.

A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.

Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as cousas pré-humanas, mesmo no homem!
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!


FERNANDO PESSOA

Thursday, September 23, 2004

FLORBELA ESPANCA



Poetisa desusadamente irreverente para a sua epoca, poetisa-deusa, mulher que assume o seu erotismo feminino intensamente emotivo e toma nas mãos, à margem de padrões sociais opressores e obsoletos, o seu trágico destino.

A desbravar caminhos para as mulheres vindouras, ficaram os seus mágicos versos …



Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia
.
Mas que eu não era Eu não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me - pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!



GWEN RAVERAT

CHARNECA EM FLOR

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!



ANNIE BIELECKA

Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...



GWEN RAVERAT

NOSTALGIA
Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-se esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!


FLORBELA ESPANCA (1894-1930)



Wednesday, September 22, 2004

Ainda...MARIA HELENA VARELA


Vai a sepultar amanhã, no Porto, o corpo desta extraordinária e original poetisa e filósofa que, entre muita obra outra, introduziu o neologismo “heterólogos” para definir o que há de comum a Portugal e ao Brasil, no plano filosófico.
MARIA HELENA VARELA amou muito o Brasil. De lá, a sua alma escolheu partir…

>>>>>>>>>>>>>>>


BRASILUSISMOS I

VOSSAS sagas sem gesta
De mitos emprestados,
Mal herdados,
E heróis sem consciência;
Vossos sertões
Centros do mundo,
Mares de terra a haver;
Vossa sã demência
- Carnavais, carnavais,
Fenômenos sociais
Intensos e totais –
Irmãos eu queria ter.

Emprestai-me
O jogo e a vertigem,
O ritmo e a voz
Que a língua
Já pertence a todos nós;
Emprestai-me
O samba e o sabiá,
Que em minha terra, o canto
É fado e desencanto,
E buritis não há.

Emprestai-me
O rio e as travessias,
O São Francisco e o Amazonas,
Que meu mar é memória
E eu preciso fluir
Sem nostalgias.
Emprestai-me as rimas e os rizomas,
Os meios e a mistura,
Que meu desassossego é puro medo
E minha crença impura.

Empresta-me Brasil
Teu Portugal
Tecido e mesclado no devir
De um povo que ‘inda falta,
Que eu já não quero Índias
Nem Graal,
Meu destino é fluir.
Empresta-me
O sertão e as bandeiras,
O teu corpo sentiente,
Que nosso mar se foi,
Tragadas as fronteiras
Do velho continente.

Empresta-me
A mobilidade que te fez
E a lingua de argila
Que fizeste canto,
Nossa pátria comum e universal,
Que eu só quero estar entre
Sendo inteiro,
Sem ser parasita
Ou pioneiro,
Devir contigo
Ainda Portugal.


MARIA HELENA VARELA (1952 –2004)

Sunday, September 19, 2004

MARIA HELENA VARELA


Soube da sua morte, antes de a encontrar em vida. Antes que a profundidade e pureza poética dos seus versos me tivesse sido revelada.
Deixou-nos ontem, no Brasil do seu destino.
Connosco ainda e para sempre, a sua memória, na palavra indestrutível...



SOLILÓQUIOS

Eu não curto o amor porque mal vivo,
Ignorada nas páginas da escrita.
Mas quem disser que eu não amo
E que o meu corpo não sente,
Com certeza mente,
Porque eu amo o Amor.
O amor e a pele miscigenados
Num passivo atico aquém do ter,
O pathos e o dom amalgamados
Num devir sem asas de Mulher.



BRASIL

Se eu carregasse as vidas da mulata,
Venerando seus deuses e orixás,
Se a hybris de seu corpo mais inata
Tomasse a minha alma em seus afãs.

Se as privadas batalhas que sustento,
Nos íntimos amargos do meu eu,
Fossem gozos que fazem seu contento
E lhe outorgam na terra um outro céu.

Ah! Se eu fosse a mulata não seria
Esta ânsia, este errar, esta euforia
Virgenmente parada, virtual!...

Esqueceria os átomos e os astros,
Içava minhas velas e meus mastros
E tornava-me toda um carnaval.



PATRILÍNGUA

Não trouxe dos pinhais
Nem das cidades,
Um punhado de terra,
Um chão, um leito,
Apenas a palavra
Em que me aceito,
Firmo sem fundar.
Casa, concha, casca,
Língua de água,
Minha pátria dizível,
Mar sem mágoa,
Limite e limiar,
Que o meu coração me pensa
E a mátria é tudo,
Fratrias descobri
Neste lugar.
Não carrego sibilas
Nem profetas,
Que apenas os poetas,
Filósofos ou não,
Sempre o serão.



VERDADE

Um campo vasto – a verdadeira Verdade,
Absoluta, protoconsensual,
Vago e minado campo,
Infundado e abissal.

E eu inconsolável
No inferno do fragmento,
Mônada com janelas,
Procurando as estrelas
E dormindo sem elas.

Céptica, não cínica,
Quem sabe há fragmentos
Totalizantes?
Quem sabe,
Em pleno inferno,
Há mais do que ruínas?


MARIA HELENA VARELA (1952 - 2004)


Friday, September 17, 2004

CESARE PAVESE




Tu és como uma terra
que ninguém jamais disse.
Tu não atendes nenhuma
senão aquela palavra
que do fundo brotará
como um fruto entre os ramos.
Há um vento que te toca.
Coisas secas e re-mortas
te chocam e vão no vento.
Membros, palavras antigas.
Tu tremes pelo estio.


(Tradução: Jorge de Sena)


Edward Steichen, 1908

Virá a morte e terá os teus olhos
Virá a morte e terá os teus olhos
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito emudecido, um silêncio.
Assim os vejo todas as manhãs
quando sobre ti te inclinas
ao espelho. Ó cara esperança,
nesse dia saberemos também nós,
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
re-emergir um rosto morto,
como ouvir lábios cerrados.
Desceremos ao vórtice mudo.


(Tradução: Jorge de Sena)


Last blues, to be read Someday


Simeon Solomon

Foi só um flirt
e sabias, claro -
alguém foi ferido
há muito tempo.

Mas nada mudou
o tempo passou -
um dia chegaste
um dia morrerás.

Alguém morreu
há muito tempo -
alguém que queria
mas não sabia.


Tradução de Carlos Leite

CESARE PAVESE (1908 – 1950)





Thursday, September 16, 2004

POEMAS DE AMOR DO ANTIGO EGIPTO




São tão pequenas as flores de Seanu
Que quem as olha se sente um gigante.
Sou a primeira entre os teus amores,
Como jardim há pouco regado de ervas e perfumadas flores.
Ameno é o canal que tu cavaste
Pela frescura do vento norte.
Tranquilos os nossos caminhos
Quando a tua mão descansa na minha em alegria.
A tua voz dá vida, como o néctar.
Ver-te é mais do que alimento e bebida.





Se fores à casa coberta de hera
Antes dos outros convidados chegarem,
Põe-te à vontade
Na sala dos banquetes.

As flores mexem-se com a brisa,
A qual, se não estiver toda envolta em perfume,
Há-de conseguir levar até ti
Pelo menos a excelência de alguma da sua fragância.

O perfume alastra,
A embriaguês começa.

Aquela rapariga ali, a que se parece com Noubt:
Se tiveres a sorte de a receber como presente,
Meu amigo, deves estar preparado para oferecer em sacrifício a tua vida
Pois é a única coisa que podes dar em troca.



A mansão do meu amor tem portas duplas,
Abertas de par em par.
Agora que se dana zangada
Eu queria ser o seu guarda
E receber as chicotadas da sua língua.
Assim poderia ouvi-la quando está zangada,
Como o ouriço novo a chiar de terror.




DA CONTRADIÇÃO

Ai de mim por teus olhos vagos.
Digo ao meu coração :"O meu amo
Partiu. Durante
A noite partiu
E deixou-me. Sinto-me um túmulo."
E a mim própria pergunto: Não fica nenhuma sensação, quando
Vens até mim?
Mesmo nenhuma?

Ai de mim por esses olhos que te afastaram do caminho,
Sempre tão vagos.
E apesar disso confesso com sinceridade
Que andem eles por onde andarem
Se vierem ter comigo
Eu reentro na vida.




A casa da minha namorada é uma barafunda
É o único modo de descrevê-la.
Toda a noite com música e dança até fartar
Cerveja e vinho sempre a correr.

Noto como as melodias se entrelaçam,
E por fim, depois do meu amor insistir
Num pedido para uma colaboração mais activa,
Concluo que a noite valeu a pena,
apesar de tudo.

E amanhã?
A velha canção do costume.


POEMAS DE AMOR DO ANTIGO EGIPTO
ed. Assírio & Alvim.

Tradução:Helder Moura Pereira

Wednesday, September 15, 2004

RUI KNOPFLI



Rui Knopfli
Fotografia de João Francisco Vilhena/Revista LER

A PEDRA NO CAMINHO

Toma essa pedra em tua mão,
toma esse poliedro imperfeito,
duro e poeirento. Aperta em
tua mão esse objecto frio,
redondo aqui, acolá acerado.
redondo aqui, acolá acerado.

Segura com força esse granito
bruto. Uma pedra, uma arma
em tua mão. Uma coisa inócua,
todavia poderosa, tensa,
em sua coesão molecular,
em suas linhas irregulares.

Ao meio-dia em ponto, na avenida
ensolarada, tu és um homem
um pouco diferente. Ao meio-dia
na avenida tu és um homem
segurando uma pedra. Segurando-a
com amor e raiva.


NATURALIDADE

Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.
Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.



POEMAZINHO REACCIONÁRIO PARA USO PARTICULAR

Tenho uma flor. Pálida.
Não uma flor difícil,
não uma rosa multicor,
complicada, de um jardim secreto.
Não uma flor agreste, uma flor
de micaia, flor da minha terra,
que sou desenraizado.
Uma flor qualquer que me inspire
e me qualifique. E adoce
este tempo que habito.
Simples, pálida, de haste longa
e pétalas simétricas.
Talvez um malmequer,
talvez algo bem mais simples.
Sem cheiro, sem cor,
sem importância alguma. Uma flor.
Uma flor de plástico.


RUI KNOPFLI (1932 – 1998)
Poeta moçambicano



Monday, September 13, 2004

DAVID MOURÃO-FERREIRA




E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.



PARAÍSO

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.



ESCADA SEM CORRIMÃO

É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão.


Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.



AMOR

Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.


DAVID MOURÃO-FERREIRA (1927 - 1996)


Sunday, September 12, 2004

MARIA TERESA HORTA





POEMA SOBRE A RECUSA

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda



MORRER DE AMOR

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso.





POEMA ANTIGO

O homem que percorro
com as mãos

e a lua que concebo
na altitude
do tédio


o oceano
penso paralelo - ventre
à praia intacta
das janelas brancas
com silêncio

ciclamens-astros
entre
as vozes que calaram
para sempre
o verbo - bússola
com raiz - grito de relevo

O homem que percorro
com as mãos

a estátua que consinto
a lua que concebo.



GOZO VI

São cintilantes grutas

que germinam

na obscura teia dos teus lábios

o hálito das mãos

a língua - as veias

São de cúpulas crisálidas

são de areia

São de brandas catedrais

que desnorteiam

(São de cúpulas crisálidas

são de areia)

na minha vulva

o gosto dos teus espasmos



MARIA TERESA HORTA




Saturday, September 11, 2004

MARIA ALBERTA MENÉRES





ENTRE A SOMBRA...

Entre a sombra e a noite há um submisso instante
de preparação.
Aberto espaço onde aves não cantam,
imaculado, instantâneo refúgio.
Entre a sombra e a noite, único passo!

— E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros
isolados na própria condição.

Onde nada se move, uma estrela suspensa.

E tão inutilmente despedaço o encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontro o meu refúgio
— o intocável, único espaço.



PRETEXTO

Por que não cai a noite, de uma vez?
— Custa viver assim aos encontrões!
Já sei de cor os passos que me cercam,
o silêncio que pede pelas ruas,
e o desenho de todos os portões.

Por que não cai a noite, de uma vez?
— Irritam-me estas horas penduradas
como frutos maduros que não tombam.
(E dentro em mim, ninguém vem desfazer
o novelo das tardes enroladas.)



CÂNTICO DE BARRO

Inquieta chuva, inquieta me dispersa,
esquecida a tradição e o cansado som.
Dentro e fora de mim tudo é deserto
como se as ervas fossem arrancadas
ou se esgotasse a dor por que se chora.

Na grande solidão me basta, e a contemplo
para o sonho interior que me resolve!
Tão fácil é esperar, que já nem sinto
o que vem a dormir ou a morrer
na mesma angústia que o silêncio envolve.


MARIA ALBERTA MENÉRES (n. 1930)




Friday, September 10, 2004

MANUEL MARÍA, Poeta de Galicia



Deixou-nos ontem, essa voz galega, ecológica e revolucionária, poética e bondosa...
Passou, mas deixou-nos o seu canto!




ROSAS

SEMPRE a rosa. Sempre:
a forma,
a cor,
o recendo,
a luz,
a perfección da rosa.
Prefiro a rosa vermella.
E amo a rosa branca
porque, cando lle digo
simplesmentes: ROSA,
entrecerra os ollos,
treme
e ruborece.




ARCÁDIA

DURANTE toda a miña vida andei
a soñar, longa e fondamente,
coa Arcadia maravillosa, lonxana
e lexendaria.
Viaxei a Grecia
e, con olIos atentos e avarentos,
contemplei a Arcadia: é unha
paisaxe de oliveiras e penedos,
gris e brava, onde hai un povo,
pequeno e miserento, chamado
Paradisus: nada menos.
Todo
era árido, pobre e desolado.
Entón fechei os ollos cara afora
e abrinnos cara adentro.
E puden
ollar a Arcadia feliz e verdadeira

Oráculos para cavalinhos-do-demo (1986)


MANUEL MARÍA (1930-2004)

Wednesday, September 08, 2004

FERNANDA DE CASTRO, FLORBELA ESPANCA e ADALGISA NERY



Asa no Espaço
Asa no espaço, vai, pensamento!
Na noite azul, minha alma, flutua!
Quero voar nos braços do vento,
quero vogar nos braços da Lua!

Vai, minha alma, branco veleiro,
vai sem destino, a bússola tonta...
Por oceanos de nevoeiro
corre o impossível, de ponta a ponta.

Quebra a gaiola, pássaro louco!
Não mais fronteiras, foge de mim,
que a terra é curta, que o mar é pouco,
que tudo é perto, princípio e fim.

Castelos fluidos, jardins de espuma,
ilhas de gelo, névoas, cristais,
palácios de ondas, terras de bruma,
...Asa, mais alto, mais alto, mais!


FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)


>>>>>>>>>>>>



CANÇÃO GRATA

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão


FLORBELA ESPANCA (1894-1930)



>>>>>>>>>>>>


Quadro: DIEGO RIVERA


Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


ADALGISA NERY (1905-1980)




Monday, September 06, 2004

Juan Ramón Jiménez, Mário de Sá-Carneiro, António Machado





A VIAGEM DEFINITIVA

Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, corno esta tarde estão tocando,
Os sinos do companário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto do meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore

Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.


JUAN RAMÓN JIMÉNEZ (1881 – 1958)
(Prémio Nobel da Literatura 1965)

Tradução: Manuel Bandeira

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>



QUASE

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (1890 – 1916)

>>>>>>>>>>>>>>>>>>



PARÁBOLAS

VI

O Deus que todos levamos,
o Deus que todos fazemos,
o Deus que todos buscamos
e que nunca encontraremos:
três deuses e três pessoas
do único Deus verdadeiro.

VII

Diz a razão: Busquemos
a verdade.
E o coração: Vaidade.
A verdade já a temos.
A razão: Ai quem alcance
a verdade!
O coração. Vaidade.
A verdade é a esperança.
Diz a razão: Mas tu mentes.
E contesta o coração:
Quem mente és tu, ó razão,
que dizes o que não sentes.
A razão: Nunca podemos
entender-nos, coração.
O coração: Já veremos.


ANTÓNIO MACHADO (1875 -1939)

Tradução: Jorge de Sena



Friday, September 03, 2004

VEINTE POEMAS DE AMOR Y UNA CANCIÓN DESESPERADA



A hora de reviver NERUDA, o grande poeta chileno que exudava poesia...



Para que tú me oigas
mis palabras
se adelgazan a veces
como las huellas de las gaviotas en las playas.

Collar, cascabel ebrio
para tus manos suaves como las uvas.
Y las miro lejanas mis palabras.
Más que mías son tuyas.

Van trepando en mi viejo dolor como las yedras.
Ellas trepan así por las paredes húmedas.
Eres tú la culpable de este juego sangriento.
Ellas están huyendo de mi guarida oscura.

Todo lo llenas tú, todo lo llenas.

Antes que tú poblaron la soledad que ocupas,
y están acostumbradas más que tú a mi tristeza.
Ahora quiero que digan lo que quiero decirte
para que tú las oigas como quiero que me oigas.
El viento de la angustia aún las suele arrastrar.

Huracanes de sueños aún a veces las tumban.
Escuchas otras voces en mi voz dolorida.
Llanto de viejas bocas, sangre de viejas súplicas.
Ámame, compañera. No me abandones. Sígueme.
Sígueme, compañera, en esa ola de angustia.

Pero se van tiñendo con tu amor mis palabras.
Todo lo ocupas tú, todo lo ocupas.
Voy haciendo de todas un collar infinito
para tus blancas manos, suaves como las uvas.



Te recuerdo como eras en el último otoño.
Eras la boina gris y el corazón en calma.
En tus ojos peleaban las llamas del crepúsculo
Y las hojas caían en el agua de tu alma.

Apegada a mis brazos como una enredadera.
las hojas recogían tu voz lenta y en calma.
Hoguera de estupor en que mi sed ardía.
Dulce jacinto azul torcido sobre mi alma.

Siento viajar tus ojos y es distante el otoño:
boina gris, voz de pájaro y corazón de casa
hacia donde emigraban mis profundos anhelos
y caían mis besos alegres como brasas.

Cielo desde un navío. Campo desde los cerros.
Tu recuerdo es de luz, de humo, de estanque en calma!
Más allá de tus ojos ardían los crepúsculos.
Hojas secas de otoño giraban en tu alma.



Hemos perdido aún este crepúsculo.
Nadie nos vió esta tarde con las manos unidas
mientras la noche azul caía sobre el mundo.
He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.
A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol entre mis manos.
Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tú me conoces.
Entonces, dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?
Cayó el libro que siempre se toma en el crepúsculo,
y como un perro herido rodó a mis pies mi capa.
Siempre, siempre te alejas en las tardes
hacia donde el crepúsculo corre borrando estatuas.



Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía;
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.



Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche esta estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo



LA CANCIÓN DESESPERADA

Emerge tu recuerdo de la noche en que estoy.
El río anuda al mar su lamento obstinado.
Abandonado como los muelles en el alba.
Es la hora de partir, oh abandonado!
Sobre mi corazón llueven frías corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cueva de náufragos!
En ti se acumularon las guerras y los vuelos.
De ti alzaron las alas los pájaros del canto.
Todo te lo tragaste, como la lejanía.
Como el mar, como el tiempo. Todo en ti fue naufragio !
Era la alegre hora del asalto y el beso.
La hora del estupor que ardía como un faro.
Ansiedad de piloto, furia de buzo ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio!
En la infancia de niebla mi alma alada y herida.
Descubridor perdido, todo en ti fue naufragio!
Es la hora de partir, la dura y fría hora
que la noche sujeta a todo horario.
El cinturón ruidoso del mar ciñe la costa.
Surgen frías estrellas, emigran negros pájaros.
Abandonado como los muelles en el alba.
Sólo la sombra trémula se retuerce en mis manos.
¡Ah más allá de todo! ¡Ah más allá de todo!
Es la hora de partir .¡Oh abandonado!


PABLO NERUDA (1904 - 1973)
Prémio Nobel em 1971


Halloween Store
BlogRating