S O Y A
A COR DA TUA FACE
A minha almofadinha tem milhares de cores
Aquela por baixo do peito multifacetada
Que ao rodopiar funde boas e más dores
Num todo cooperante, mulher equilibrada
Cada qual um espaço na almofadinha por colorir
A oportunidade do desconhecido fazer sentir
A tua cor já neutralizada não pelo que me fizeste
Mas pelo teu pobre pincel e face insignificante
O tempo conta, e começa na verdade
Para aqueles de individual consciência saudável
Vi as agulhas perfurarem em clara liberdade
Trazendo mágoa e rancor à almofadinha moldável
Quando a lágrimas é comprida a sorte
Vão as agulhas, factos ou lembranças integrais
Fica a impressão profunda que exclui a tua face
Só a sabedoria e análises imparciais
Processo irreversivelmente dogmático
A inculta e fria marca na almofadinha
Impedimento à cor e ao formato
Sentimento superior à tua falta de tinta
Soya
2006
A TERRA E O MAR
Que sinto
Mornice, meiguice
Sol fresquinho, vento quentinho
Da segurança nasce o erro
A vontade livre pela descontracção
E assim se concretiza o apelo
Feito pelo navegante muito sabido então
Sinto o amado para lá da distância que separa a légua
Sete fogos extintos por uma só lágrima
Com os dedos a bailar nas cordas criativas longe da terra
Medida ceifada na escorregadia invisibilidade
Morrer aos pouquinhos
Dia sim, dia não
Devagar devagarzinho
Sem contrariar o coração
Voaram as respostas na terra
Do pior, ele a bailar contra mim e para todo o mar
Foram refutadas por questões nas minhas mãos
Os lábios revelavam mais nada a achar
Pensar não faz mal?
Toca de cima para baixo
Mas até que ponto trás isso mal?
Quando lá chego
Fico com mais flores no meu quintal
No caminho de pedra para beijar a felicidade
Dividiria o trevo de quatro folhas, em dois meios de duas
Pontas separadas entre a terra e o mar já hoje
Medida irracional e doente de te ver longe
Sei que o desfeito
Está mais perto do perfeito
Com o meu e da Lua apoio
Só eu influencio meu peito
De amores platónicos já me basta
E de todas as frases doentes
Passo a seguir a rebaixante vontade descontente
De, neste momento, dizer adeus para sempre
GOTAS DE CHUVA
Olho para a janela e está a chover, olho para dentro e está tudo igualmente molhado
Esquecer as regras, usar a altura de começar a aperceber, através de uma janela
Estou a vê-las cair, escorregar, a descer naturalmente
Os segundos passam e o tempo passa
E lá vão elas a esgotar o tempo da sua existência
Nascem algures no acaso
Pouco controlam o momento da sua acção
Até que desaparecem
Quando já outras nascem e outras vão a meio trajecto
Enquanto o momento de cada uma passa vão ziguezagueando
Ora para a esquerda, ora para a direita
Ora para o cume, ora para o vale
Ora para o mar, ora para a terra
Ora para o seguro, ora para o inseguro
Ora para o preto, ora para o branco
Passadas vidas, as vidas vão encontrando das outras os refugos
Que se vão aglutinando em novos caminhos
E influenciando suas pegadas em cada novo segundo
E enquanto isto, já tudo se passou
Passou a chuva lá de fora e também a cá de dentro
Agora a visão foi para outro universo, outro espaço
Mas há-de voltar, e eu hei de sentir
Até que eu também acabe as minhas curvas
Soya
2004
OS TRATANTES DA VERDADE
Os olhos reflectem um mundo em volta
Imagens hereges em vidros aos estilhaços
A dispersão numa primeira respiração morta
Bocas grandes, tratantes do humano feito palhaço
O lamento da nossa fé no acaso
Contra o silêncio e a escuridão
O indizível conhecimento ao abandono
Reflexão aterrorizada nas provas em vão
O teatro cria a vertigem do irreal em real
Um vigilante esconderijo que nunca foi estanque
A vida infiltra-se e argumenta uma reacção natural
O impotente sonho de ser, tudo menos cooperante
A dor que desapetece quando desapetecida
As lágrimas que trazem um oceano em imensidão
Mar a dentro surge uma consciência tranquila
O toque saudável sem desejo de exposição
Um sorriso manchado em lágrimas
Vontade na tolerância de beijar as feridas
Ou fechar dentro ou fora das intenções amigas
A sabedoria que ouve o acaso e escolhe as páginas
Soya (n.1989)
2006