O POEMÁRIO DE MARIANA

A poesia é a expressão verbal correspondente a uma percepção de vida subtil e pluridimensional.Instrumento expansivo de consciência, a poesia corresponde ao sentir, expresso no verbo sem as amarras da mente racional. Relembra algo que nos falta e que frequentemente não sabemos apontar e repõe a complexa beleza da manifestação...
MARIANA INVERNO

Tuesday, July 26, 2005

Natália Correia


O LIVRO DOS AMANTES

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.




Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.



Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.


NATÁLIA CORREIA(1923-1993)

Saturday, July 16, 2005

JUAN RAMÓN JIMENEZ



Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!



Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.

Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.

Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.

E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.



Todas as rosas são a mesma rosa,
amor!, a única rosa;
e tudo está contido nela,
breve imagem do mundo,
amor!, a única rosa.



É MINHA ALMA

Não sois vós, férteis águas
de ouro as que correis
pelos fetos, é minha alma.
Não sois vós, frescas asas
livres, que vos abris
à íris verde, é minha alma.
Não sois vós, doces ramos
rubros, que vos moveis
ao vento lento, é minha alma.
Não sois vós, claras, altas
vozes as que vos coais
do sol que tomba, é minha alma.


Juan Ramón Jimenez (1881-1958)
Prémio Nobel de Literatura

Wednesday, July 13, 2005

Ivo Machado




os malmequeres

disseste: hoje rasguei os papéis
que escreveste
depois
como se faz às folhas
de Outono
deixaste-as arder no esquecimento.

agora
entendo os malmequeres.



azul

às vezes
apenas uma gota de água
sobre as rosas faz o perfume.
não perguntes porquê
pois as rosas não hão-de responder-te.
observa. depois
respira o aroma do azul.



os girassóis

os girassóis
ao longe parecem o mar
mas como podem parecer
mar
se não vejo espuma
nem sinto os silêncios
das velas no horizonte?



música

não escutamos as mãos
mas sabemos serem elas.
sabemos
quantos rios insinuam
quantos silêncios sabem invocar
porque a música
é apenas o riso das mãos.
se o não escutares
é porque os lírios dormem
de cansaço.



hoje, é triste a alameda

hoje, é triste a alameda onde em criança tive uma visão,
está deserta, com isto dizendo
fico sem saber quem mais entristeceu: a alameda ou eu?

a capela em ruínas; o muro de juncos, também;
e descubro num plátano isolado
vestígios do nome que gravei no desespero de minha mãe;

está deserta a alameda onde em criança o sonho deixei,
que canteiro o preserva, que nome lhe dei?

é a mesma alameda deserta e triste,
eu é que mudei, roubado o ímpeto de marcar árvores,
o demorado hábito em ler as placas de cobre
com versos meio apagados de poetas mortos.

hoje, o céu não é o lápis-lazúli de Nobre,
nem violinos ao gosto de Verlaine;

é véu de viúva o céu,
e até o relógio de sol parece em luto,
chorando o pranto da estátua decepada
onde em menino vi meu rosto: velha a pele, acobreada.

porque regressei à alameda? antes
os laranjais onde mora a luz sem o desassossego
de ver se algum dos plátanos morreu.

hoje, quem será mais triste: a alameda ou eu?



IVO MACHADO, Poeta açoriano (n.1958)

Tuesday, July 05, 2005

EMILY DICKINSON


Enviamos a Onda ao encontro da Onda –
Uma Missão tão divina,
O Mensageiro também enamorado,
Esquecendo-se de voltar,
E temos a sábia percepção ainda,
Embora feita em vão,
O momento mais sensato para deter o mar é quando o mar já partiu –



Os Poetas Mártires – não contaram
Mas moldaram a sua Dor em sílabas –
Para que quando o seu mortal nome adormecesse
O seu mortal destino – Alguns encorajasse –

Os Pintóres Mártires – nunca falaram –
Legando – antes – à sua Arte
Para que quando os dedos cônscios cessassem –
Alguns na Arte – a Arte da Paz buscassem –



É fácil inventar uma Vida –
Deus fá-lo – todos os Dias –
A Criação – apenas um Capricho
Da Sua Autoridade –

É fácil apagá-la –
A zelosa Divindade
Nem poderia conferir Eternidade
Ao que é Espontâneo –

Os Padrões Destruídos murmuram –
Mas o Seu Plano Impassível
Prossegue – colocando Aqui – um Sol
Ali – deixando de fora um Homem –



Aquele a quem lanço um Olhar Amarelo –
Ou um Polegar decidido –

Embora mais do que Ele – possa eu viver
Mais do que eu – viverá Ele
Pois tenho apenas o poder de matar,
Sem ter – o poder de morrer -



Os Poetas ateiam apenas Chamas –
Eles próprios – extinguem-se –
Os Pavios que acendem –
Ainda que Luz vital

Existem como Sóis –
Cada Idade uma Lente
Disseminando-se
Em Circumferência –


EMILY DICKINSON (1830-1886)

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